17 de fevereiro de 2010

Mercearia porta a porta


Leva mais de 45 anos de venda ambulante e há 30 que anda com a mercearia às costas. São dezenas de produtos encaixados na carrinha Mercedes de rodado dupla. Mão na buzina a anunciar a chegada.
O cenário até parece bucólico, mas a verdade é que estamos a cinco minutos do centro da Maia e a 100 metros, em linha recta, da rotunda do Requeixo, que é como quem diz, do mais recente hipermercado do concelho. Ainda assim, mantém-se viva uma venda à moda antiga e mais conotada com cenários rurais.
Jaime Ferreira conhece todos os clientes, trata-os por tu quando a idade o permite, sabe quem está doente, vai pôr as compras em casa dos idosos e tem sempre à mão o livrinho dos fiados, mas só para os compradores antigos.
"Antigamente só descansava ao domingo e andava todos os dias até às 4 ou 5 da tarde. Às vezes, antes da oito não chegava a casa. Agora só trabalho de quarta a sábado. Estas grandes superfícies estão a rebentar com tudo", lamenta o comerciante.

"Hoje em dia toda a gente trabalha e poucos são o que estão em casa quando eu passo", acrescenta Jaime Ferreira.
O vendedor concentra os seus clientes em Vermoim e Milheirós e não faz mais de 30 a 40 quilómetros por dia. "Este furgão tem nove anos e cerca de 50 mil quilómetros. Como gasta pouco, as coisas ainda se vão equilibrando. Mas quando eu ficar cansado a 'mercearia' acaba, a minha filha não quer saber disto. E quando deixar o comércio paro de vez. Já não tenho idade para ter alguém a mandar em mim", conta.
Fazer compras ao portão

Matilde Oliveira é uma cliente antiga e desde que se mudou para Vermoim, já lá vão 29 anos, que se habituou a fazer as compras quase sem sair de casa. "Ouço a buzina e sei que ele chegou. Quase nem preciso de sair do portão. É muito cómodo e até acho mais barato que os 'hiper'. O Jaime também vem às quartas, mas eu trabalho. É ao sábado que faço as minhas compras. Mas tenho sorte, pois também temos padeiro à porta todos os dias e peixeiro", sublinha a moradora.
A vizinha, Maria Rosa, de 82 anos, faz um sorriso maroto e confessa a "traição". "Gosto de dar os meus passeios e aproveito para ver as promoções e comprar, pois há coisas que compensam. Quando já não tiver forças, vou comprar tudo ao Jaime", diz.~

O comerciante, além de apresentar uma vasta gama de produtos, facilita o pagamento - "tenho calotes antigos que nunca irei recuperar" - e até é chamado por telemóvel, como se de um vulgar táxi se tratasse.
Boa apresentação
"É uma cliente antiga", justifica Jaime Ferreira, quando pára à porta de Cândida Fernandes, última paragem em Vermoim, antes de rumar a Milheirós.
"Mudei de casa e estive uns tempos sem o ver. Mas ele acabou por encontrar-me. E dá muito jeito, pois escuso de andar carregada", diz Cândida Fernandes, enquanto pega em três sacos de plástico cheio de compras. Dá meia volta e entra em casa.
"As pessoas não são tratadas assim num supermercado. E eu também sempre fiz questão de andar bem apresentado e com o furgão sempre limpo. Já lá vai o tempo em que andava de carroça , a vender de porta em porta", remata Jaime Ferreira.

Publicado no "Jornal de Notícias"

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